Fonte: Terra
A recente guinada na “guerra das maquininhas” pode precipitar uma consolidação na indústria de meios eletrônicos de pagamentos no Brasil, dado que as margens cadentes das companhias do setor devem limitar o número de grupos capazes de se mostrarem sustentáveis no longo prazo.
Para especialistas, a ofensiva da Rede, de zerar taxas para antecipar recursos em D+2 para lojistas em pagamentos com cartão de crédito à vista, mostrou que a sobrevivência no setor vai gradativamente depender de poder de fogo, ou seja capital.
A oferta da Rede, condicionada a um relacionamento mais próximo com seu controlador Itaú Unibanco, tende a ser de alguma forma seguida por outros grandes bancos. E a situação das rivais menores tende ficar mais difícil dada sinalização da Caixa Econômica Federal de que planeja entrar com força no setor até o ano que vem.
Segundo empreendedores envolvidos na cadeia, ainda há espaço para novos movimentos agressivos, principalmente das instituições ligadas a bancos.
“A verdade é que as margens cobradas no mercado de adquirência de cartões ainda são enormes e incompatíveis com valor agregado ofertado aos clientes”, disse Francisco Ferreira, sócio da fintech BizCapital, que opera empréstimos para empresas, inclusive para subadquirentes.
É verdade que essas margens caíram bastante nos últimos anos, desde que mudanças regulatórias implementadas pelo Banco Central quebraram um duopólio no setor, há cerca de uma década, protagonizado por Cielo (ex-Visanet) e Rede (ex-Redecard).
Atualmente, há pelo menos uma centena de empresas atuando como adquirentes ou subadquirentes de cartões no país, segundo dados do Banco Central, e várias delas com modelo de negócio baseado sobretudo em receitas financeiras obtidas com as taxas de antecipação de recebíveis.
Nesse ambiente, o gasto do lojista com processamento de pagamentos, que nos últimos anos chegou a superar 10 por cento do faturamento, considerando aluguel dos terminais, preço por operação (MDR) e juro da antecipação de recebíveis, caiu para 3,49 por cento na oferta da Rede, válida desde a última quinta-feira, englobando os três serviços. Com possibilidade de negociação.
Com isso, a margem operacional do setor, que já chegou a ser de 70 por cento há uma década, foi caindo até chegar abaixo dos 30 por cento, como mostrou o balanço da Cielo do primeiro trimestre.
“Mas ainda é uma margem alta; em mercados maduros esse percentual é ao redor de 7 por cento”, disse Margot Greenman, presidente-executiva da gestora de crédito corporativo Captalys, que também opera crédito com subadquirentes.
Para alguns analistas, a resposta de grandes instituições financeiras a esse cenário pode ser sangrar a rentabilidade dos braços de adquirência como meio de proteger a base de clientes e eventualmente compensar isso induzindo clientes a comprar uma gama mais ampla de serviços financeiros.
Num possível sinal de desconfiança de que é isso o que o Itaú já fez com a Rede, a Cielo acenou na semana passada com a criação de índice o custo efetivo praticado no setor.
“Acreditamos que a transparência acabará de vez com pegadinhas, asteriscos, letras miúdas e condições impossíveis de serem cumpridas”, afirmou a Cielo.
É uma análise que o presidente da Rede, Marcos Magalhães, tem negado em relação ao movimento recente da empresa. “Continuamos um negócio rentável”, disse ele a jornalistas.
Para a equipe do BTG Pactual liderada por Eduardo Rosman, no entanto, é isso o que vai acontecer no mercado: “É apenas uma questão de tempo até que os bancos comecem a ver suas adquirentes mais como um centro de custo necessário para ‘manter o cliente em casa'”, afirmou Rosman em relatório.
Neste aspecto, a situação da Cielo é mais dramática do que a de suas principais rivais. Diferente da Rede e da GetNet, a líder do mercado tem não um, mas dois bancos controladores (Bradesco e Banco do Brasil). Como é uma empresa listada, a boa governança a impede de lançar mão de ofertas que representem troca de margens entre ela e seus sócios.
Os dois sócios têm negado repetidamente planos para fechar o capital da Cielo como forma de resolver possíveis problemas de conflitos de interesse. Enquanto isso, a prolongada perda de participação de mercado e de margens da empresa tem se refletido na queda de quase 70 por cento das ações desde o começo de 2018.
De acordo com Margot, da Captalys, esse cenário do mercado brasileiro de pagamentos vai na esteira do que já acontece em mercados mais maduros, como de Estados Unidos e da Europa, em que um mercado de altos volumes e margens cadentes naturalmente leva a um cenário de consolidação.
A fornecedora de tecnologia financeira Fiserv em janeiro fechou acordo para comprar a processadora de pagamentos First Data, numa transação de 22 bilhões de dólares. No mês passado, a Fidelity anunciou a compra da Worldpay por cerca de 35 bilhões de dólares.
Nesse sentido, um dos movimentos a serem observados nos próximos meses é o da Caixa, único grande banco do Brasil sem presença significativa em adquirência. O banco vai buscar um sócio para o negócio antes de listar seu braço de pagamentos em bolsa. Uma fonte próxima do banco estatal disse à Reuters que entre os potenciais parceiros no negócio estão GetNet e o Safrapay, do Banco Safra.
Para o vice-presidente executivo do marketplace Mercado Livre para América Latina, Stelleo Tolda, os participantes do mercado no Brasil estão percebendo que será preciso oferecer mais aos clientes finais do que apenas processar pagamentos e antecipar recursos a preços mais baixos.
O próprio Mercado Livre que entrou mais recentemente no setor de pagamentos com seu braço Mercado Pago, começou nos últimos meses ofertar crédito além do capital de giro, como forma de ampliar a aproximação com clientes do portal.
O Mercado Livre recebeu em março um investimento de 750 milhões de dólares da companhia norte-americana PayPal, recursos que serão usados principalmente para enfrentar a crescente concorrência no mercado brasileiro de pagamentos.
“A capitalização nos permite ser mais agressivos”, disse Tolda. “Ficar só com antecipação de recebíveis é um risco.”